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Como combater a violência obstétrica no Brasil?

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O parto é um ato natural e um momento que deveria ser muito belo, em que a mãe finalmente vai conhecer o filho que gestou por tantos meses com todo seu amor. Porém, esse também pode ser um momento muito difícil, em que mães passam por crueldades, e muitas delas nem se dão conta disso. Estamos falando da violência obstétrica, que atinge uma em quatro mulheres no Brasil.

Até meados do século XVIII, o parto era um momento especial em que a mulher dava à luz em casa, próxima de seus familiares e com o auxílio de parteiras. A partir do século passado, com o avanço da medicina e maior desenvolvimento da obstetrícia, começou a crescer gradativamente o número de cesarianas feitas no Brasil.

Esse fato acarretou no crescimento de abusos contra as mulheres durante o pré-parto, o parto e pós-parto, e são muitas as violências que as mulheres são submetidas. Entenda melhor sobre o assunto neste artigo.

Entendendo a violência obstétrica

A OMS publicou uma declaração contra a violência obstétrica, que mostra práticas que podem ser configuradas como agressões e que devem ser combatidas, mesmo que algumas dessas atitudes não pareçam ser abusos, pois são mais sutis.

A violência obstétrica não se limita apenas a algum tipo de agressão física, mas também são psicológicas e emocionais. É importante tocar no assunto para que se esclareça à população que o que ocorre - tanto na rede pública quanto na privada – são atos de extrema violência contra os direitos das mulheres, e que para haver mudanças é necessário que essas ações sejam expostas e denunciadas.

O documento da OMS diz que “no mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde. Tal tratamento não apenas viola os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação”.

Para entender melhor, aqui estão alguns pontos que a declaração afirma que são práticas abusivas contra as mulheres no trabalho de parto e no parto e configuram como violência obstétrica:

  • Uso da violência física, abusos verbais e humilhação
  • Procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização)
  • Não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos
  • Recusa em administrar analgésicos quando solicitado pela mulher
  • Violações da privacidade
  • Rejeição em caso de internação nas instituições de saúde
  • Negligência durante o parto levando a complicações que poderiam ser evitadas e situações que ameaçam a vida da mãe e de seu bebê
  • E detenção de mulheres e seus recém-nascidos nas instituições, após o parto, por incapacidade de pagamento.

Não é incomum encontrar mulheres que tenham sofrido algum desses tipos de abuso no parto, talvez você conheça alguém que tenha passado por isso, ou pode até ter sido você.

Abusos e maus-tratos

A declaração da OMS alerta que “os abusos, os maus-tratos, a negligência e o desrespeito durante o parto equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princípios de direitos humanos adotados internacionalmente”.

É uma situação muito delicada e triste pois muitas mulheres não sabem o que está acontecendo, elas são levadas a aceitar tudo o que médicos e enfermeiros lhes impõe, perdendo suas vozes e tendo seus direitos feridos.

E não são apenas essas as agressões contra as mulheres, outras condutas se enquadram como violência obstétrica. Toda mulher tem direito um acompanhante de sua confiança no momento do parto, e a recusa disso também configura como quebra ao direito da gestante.

Outra forma de violência obstétrica que as mulheres não percebem é o agendamento de cesárea sem comprovação da necessidade da operação, também é comum que o médico faça isso por conveniência, interrompendo o processo natural do trabalho de parto.

A pesquisa Nascer no Brasil, realizada entre 2011 e 2012, revelou que a intervenção humana nos trabalhos de parto é altíssima. Cerca de 70% das mulheres receberam punção venosa, 40% receberam ocitocina e realizaram aminiotomia (quando a membrana que protege o feto é rompida) e em 30% foram aplicadas ráqui ou epidural (analgesias), todas formas de acelerar o processo de nascimento.

Segundo dados levantados pela Fiocruz, a episiotomia (corte no períneo para ajudar na saída do bebê) são realizadas em 56% dos partos, sendo que ela é indicada em cerca de 10% a 15% dos casos. E a manobra de Kisteller (empurrar a barriga da gestante para o bebê sair) é feita em 37%.

Muitas podem ser práticas evidentes como agressões às grávidas, mas outras são mais difíceis de identificar, pois pensamos que são comuns e que fazem parte durante o trabalho de parto. Mas são abusos que devem combatidos, pela saúde e bem-estar da mãe e do bebê.

A violência obstétrica é muito recorrente no Brasil, mesmo tendo leis que amparem as mulheres e que devem preservar seus direitos. Caso você conheça uma mulher que sofreu violência obstétrica, é possível fazer denúncias através do Disque 100 ou o Disque Saúde do Ministério da Saúde (136).

O crescimento desenfreado de cesarianas no país

Todos sabemos que a gestação é um processo fisiólogo e natural, e que durante o trabalho de parto o corpo da mulher se prepara para a chegada do bebê no momento certo. Mas poucos sabem que a interrupção nesse processo pode acarretar complicações para a criança e para a mãe, pois nesse momento de fragilidade confiamos em quem mais entende do assunto: os médicos.

Um dos maiores medos que rondam as mulheres no momento de ter seus bebês é a dor que podem sentir, além do pensamento de que talvez não consigam ter uma evolução durante o trabalho de parto.

Quando as grávidas têm esse receio, vem o pensamento de não passar por todo esse sofrimento, e os médicos oferecem às mulheres uma solução que parece mágica: a cirurgia cesariana. O Brasil é o país que mais realiza cesáreas na América Latina. Esse número chega a 56% do total de partos feitos no país, e só na rede privada esse índice ultrapassa 88%.

Só entre os anos de 2007 e 2011, o número de partos cesáreas realizados no país aumentaram de 46,56% para 53,88%, representando mais da metade dos partos feitos nas instituições de saúde, quando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que sejam no máximo 15%.

Isso ocorre porque muitos médicos utilizam de seus conhecimentos para decidir a hora de nascimento dos bebês, manipulando os pais de forma persuasiva para convencê-los de que a mãe ou o bebê talvez corram algum perigo no momento do parto, quando na verdade essa é uma das formas da violência obstétrica!

Essa decisão expõe mãe e bebê a um procedimento invasivo e com uma recuperação muito mais complicada e dolorosa, além de que na maioria das vezes é um procedimento desnecessário. A pesquisa Nascer no Brasil também expôs o fato lamentável de que essas intervenções obstétricas são excessivas, pois apenas 5,6% dos partos apresentam algum tipo de risco.

A conveniência médica é outro fator determinante para o aumento crescente no número de cesáreas no Brasil. A cirurgia parece uma alternativa rápida e prática para os médicos, pois podem ser agendadas e todo o tempo do trabalho de parto é otimizado para eles, além disso o pagamento de honorários é maior.

Mulheres submetidas à cesariana podem correr muitos outros riscos, como complicações hemorrágicas, além de ser um procedimento cirúrgico invasivo o risco de infecção também aumenta consideravelmente.

E não é só a mãe que corre esses riscos, o bebê também pode sofrer e ter complicações no nascimento. Quando a cirurgia antecipa o momento natural do parto, aumentam os riscos do bebê desenvolver problemas respiratórios e ter problemas de sobrepeso infantil, e na idade adulta são mais propensos a sofrer de diabetes e hipertensão.

Parto humanizado: a alternativa ideal

Quando tocamos nesse assunto, ouvimos muitas opiniões do que pode ser considerado ou não como parto humanizado. O principal a esclarecer é que o parto humanizado não é um tipo de parto, mas uma forma, como o próprio nome diz, de humanizar esse momento tão especial e não permitir que seja apenas mais um procedimento médico.

É comum confundir o parto humanizado, acreditando que são apenas os partos feitos em casa, partos sem anestesia, em banheira, etc. Mas o mais importante é levar em consideração as escolhas da mulher, cada uma sabe dos seus desejos e limitações durante o trabalho de parto até o momento de dar à luz. O é essencial respeitar as vontades da mulher e levar em conta a saúde e segurança da mãe e do bebê em primeiro lugar.

O parto humanizado consiste em deixar a natureza fazer seu trabalho, tentando adequar o processo para ser o menos medicalizada possível. Mas é fundamental o acompanhamento por profissionais que saibam intervir quando for preciso, sempre realizando o mínimo de intervenções possíveis e só fazê-las mediante autorização da gestante.

A presença de um obstetra e um pediatra neonatal se fazem necessários durante o período do trabalho de parto e o pós-parto, para examinar a mãe e o bebê e garantir que esteja tudo bem com os dois.

As práticas que são consideradas como violência obstétrica são totalmente descartadas no parto humanizado, como a episiotomia (corte do períneo), a raspagem dos pelos pubianos, entre outras. E principalmente a prática da cesariana quando não for estritamente necessária. 

Grande parcela dos partos humanizados também não fazem uso de anestesia. Em partos realizados em hospitais é comum a  aplicação de um hormônio sintético que imita a ocitocina (hormônio que induz o parto) para acelerar o processo. Mas a aplicação causa aumento da dor das contrações e deixa o procedimento muito mais penoso para a mulher.

No parto humanizado a mãe tem contato imediatamente após o nascimento do bebê (chamado de pele-a-pele), isso fortalece o vínculo entre mãe e filho e é benéfico biológica e emocionalmente.

Se tratando de bebês nascidos através de cesariana, a pesquisa Nascer no Brasil mostrou que cerca de apenas 27% dos recém-nascidos tiveram contato com a mãe logo após nascerem, e 41% foram amamentados ainda na primeira hora de vida.

Apenas 15 a 20% das mulheres que passam pelo parto humanizado vêm a manifestar algum problema que posteriormente precisaria de cuidados especiais.

Humanizar o parto é oferecer uma experiência mais plena para a mãe e o bebê, vivenciando cada segundo. O papel do obstetra nesse período é de acompanhar e só interferir se for realmente necessário.

O papel das doulas no parto humanizado

As doulas são profissionais que acompanham a grávida do início ao fim da gestação, auxiliando e orientando a mulher na preparação para o parto e os primeiros meses após o nascimento. Elas oferecem informações para que as futuras mães tenham uma boa experiência e vivenciem o momento do parto de forma positiva.

O parto pode ser um momento de muita ansiedade e medo para as mulheres. Medo das dores, o receio que algo possa dar errado, e a  doula é a figura que dá suporte à essas mulheres. São elas que acolhem, tranquilizando e dando apoio físico, psicológico e emocional à mulher durante o trabalho de parto.

A profissional ampara a mulher, além de ajudar realizando massagens e compressas para aliviar dores e até aconselhar o parceiro durante o processo. Após o nascimento o acompanhamento continua, a doula conversa com a mãe sobre sua experiência e fica disponível para dúvidas sobre maternidade e paternidade.

O trabalho das doulas é reconhecido pela OMS, mas no Brasil o número de profissionais ainda é muito baixo. Elas têm papel fundamental para trazer ao mundo crianças de forma natural e não-traumática, proporcionando aos pais e seus filhos a plenitude do momento do nascimento. Assim, o parto humanizado passa a ser uma opção mais viável e acessível.

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